Viena, 1824.
Poucas datas rabiscam de forma contundente o grande livro de História. Momentos raros onde o tempo reduz sua cadência para que os registros tomem nota o que nunca mais irá acontecer.
Naquela casa o futuro estava cumprindo sua longa gestação de um presente singular. Uma mente genial cumpria seus últimos dias de detenção. Mais um ato de liberdade seria expresso por toda posteridade.
Vidros empoeirados, testemunhas idosas de grandes acontecimentos, percebiam, no entanto, seu olhar atravessando com melancolia a translúcida opacidade.
- Dez anos. Minhas próprias memórias apagam continuamente os vestígios de meu espírito.
Empoleirado em ramos contorcidos, um tordo exibe sua negra satisfação. Sua música é mais um ruído na movimentada rua. Chapéus, vestidos, sombrinhas bailam na juventude pulsante de seus usuários.
No interior da casa, mãos cruzadas em costas curvas caluniam aquele espiar invejoso. Sobrancelhas rígidas praguejam um inconformismo cansado.
- Maldito tordo. Trucilai aos ouvidos incautos que pouco entendem teu versar. Quem dera um dia pudesses visitar o ermo que agora me impede compreender teu lamento.
O piano está fechado, assim como qualquer resquício de esperança. As sombras do antigo salão iluminam o pesar orgulhoso daquele que aprendeu a viver na agonia de si mesmo.
Com seu limpo uniforme a aia adentra no recinto. Seus passos não são percebidos pela estátua viva que continua murmurando impossibilidades, contemplando metáforas oníricas de sua condição.
- Já posso morrer. Nem mesmo os sons do respirar me foram consentidos! Somente assim pude vasculhar os campos Elíseos e encontrá-la. Aquela que se ocultou desde minha tenra idade assistindo velada minha enfermidade agravando-se a cada dia pela ignorância dos arautos de Apolo. Hoje entrego meu último suspiro como gratidão.
Perfilada em sua postura espartana, a jovem empregada estende sua frase pichada em um bloco amarelado. Impossível não notar os negros fios escapando de sua alva touca. A cor forte de seus lábios sorri para sardas que pontuam cada reticência de sua face indelével. Não se vê no velho mestre, porém, qualquer mudança em sua expressão .
- Os sons da juventude reverberam nos misteriosos abismos da natureza. Ecos amplificados de exaltação à Vida. Infelizmente tua surdez impede que escutes os acordes de tua própria natureza, mulher.
Seu olhar recai sobre o maldito objeto que martela seu orgulho.
"Senhor Ludwig, o boleeiro vos aguarda."
* Texto adaptado de um roteiro para história em quadrinhos.
Haja referencia a mitologia, hein?! Curti isso ai... Espero a parte 2
ResponderExcluir'Infelizmente tua surdez impede que escutes os acordes de tua própria natureza, mulher.'
ResponderExcluirAcho que vou começar um caderno de citações. Bjus
E eu não disse que vc disse que ele nasceu... rsrsrsrsrsrs... Vc que se confundiu... Apenas citei um fato; como não tinha o que falar foi isso mesmo e me lembrei das últimas férias.
ResponderExcluirMas, para evitar MAIS mal-entendidos, vou apagar apagar o post anterior.
hahaha
ResponderExcluirentendi... quis dar de metido a besta....rs
obrigado por tornar mais concreta a história. Acho que roubarei sua foto para a parte 2 =)