sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Últimos Suspiros em Ré Menor – Parte Final

- Deus quis que escutasse Sua própria voz. E assim fechou-me o mundano acesso aos timbres adventícios. Como esquecer este pecado! Um sentido que devia ser, em mim, mais perfeito que nos outros, um sentido que foi tão perfeito como poucos homens dedicados à mesma arte que eu possuíram!

Os arcos em nervosa movimentação libertam os suaves acordes primogênitos. Seu nervosismo aumenta enquanto sopros mostram às madeiras os passos de seu tímido debute. As hesitantes notas rapidamente cumprimentam o autor e em entusiástico desdobramento marcam a platéia com surdos ritmos percussionísticos.



- Sem notar Seus penosos caminhos, pouco faltou para que, por minhas próprias mãos, pusesse eu fim à minha existência.

A dança harmônica ora transmite a guerra travada naquele interior, ora rasteja anunciando a fulgurante resignação. Sua pulsação vívida, no entanto, marca a energia mouca do autor.



- Pareceu-me impossível, entretanto, deixar o mundo antes de haver produzido tudo o que eu sentia me haver sido confiado, e assim prolonguei esta vida infeliz. E com paciência esperei as parcas inclementes cortarem o fio de minha triste vida.

Barítono:
O Freunde, nicht diese Töne!
Sondern laßt uns angenehmere
anstimmen und freudenvollere.
Freude! Freude!


- E na escuridão abafada fui resgatado. A senhora escondida se revelou, trovejando minha alma. Aquecendo-me com sua voz, revelou-me o porvir. Olvidei por instante minha miséria e pude clamar aos Mensageiros que enviassem uma ode à musa que o mundo esqueceu.

Quarteto:
Wem der große Wurf
Eines Freundes Freund zu sein;
Wer ein holdes Weib errungen,

Mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele

Sein nennt auf dem Erdenrund!




(Oh Amigos, mudemos de tom! Entoemos algo mais agradável E cheio de alegria!)

(Quem já conseguiu o maior tesouro De ser o amigo de um amigo, Quem já conquistou uma mulher amável Rejubile-se conosco! Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma, Uma única em todo o mundo.)


Coral:
Brüder, über'm
Muß ein lieber Vater wohnen.
Ihr stürzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such' ihn über'm Sternenzelt!
Über Sternen muß er wohnen.
Freude, schöner Götterfunken
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken,
Himmlische, dein Heiligthum!
Seid umschlungen, Millionen!
Diesen Kuß der ganzen Welt!




(Irmãos, além do céu estrelado Mora um Pai Amado. Milhões se deprimem diante Dele? Mundo, você percebe seu Criador? Procure-o mais acima do céu estrelado! Sobre as estrelas onde Ele mora.
Alegre, formosa centelha divina, Filha do Elíseo, Ébrios de fogo entramos Em teu santuário celeste! Abracem-se milhões! Enviem este beijo para todo o mundo!)


- A inquietude do néscio é paciência ao sábio. Enfim encontrei a Alegria...

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Parêntesis

Incrível como modismos acabam engolindo cada gota de empolgação efêmera produzida pelos meus poros...

Voltarei para terminar Últimos Suspiros em Ré Menor.

Prometo.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Últimos Suspiros em Ré Menor* – Parte 2

Os cascalhos abriam caminho para a carruagem que conduzia Ludwig van Beethoven. O contínuo balanço remexia suas lembranças. Uma vida marcada por sofrimentos, sonhos frustrados, isolamento e dor. A carregada fisionomia já não exibia os inconformismos da mocidade; havia se transformado num amargor resignado.

Por três décadas convivia com o progressivo mal que o impedia cada vez mais ouvir. Quisera o Destino que um paradoxo possuísse sua alma, outorgando à sua genialidade uma tarefa que a outrem não seria alcançada. Dar ao mundo imagens escritas em ritmos, melodias, harmonias como nunca havia existido. Já doze anos se passavam no completo silêncio.

- Todos experimentarão, sem dar-se conta, as poderosas notas ressonando nas delgadas cordas dos sentimentos. Os imperceptíveis dedos sinfônicos exalarão os sons da existência.

O carro atingia lentamente seu alvo. O imponente Kärntnertortheater reverenciava o mestre transbordando indivíduos que se espremiam aguardando sua chegada. Todos mais uma vez apreensivos para saber o que, desta vez, lhes reservava os sons da surdez.

- Absortos não compreenderão sua própria e exultante alegria que irromperá nos últimos compassos.

O cocheiro range o freio dando fim ao agitado trajeto. Pescoços estendidos saúdam o compositor procurando degraus de melhor visão. A curiosidade ignóbil, força motriz das massas, mobiliza a platéia para mais um banquete imerecido. Em instantes ocuparão seus poleiros grasnando futilidades de suas míseras vidas. Iletrados na sublime escola, desconhecem os ensinos que a natureza outorga aos que desejam ouvi-la. Aproveitadores ingratos das benesses da vida, não entendem a importância do dom que lhes foi concedido. Parasitas andantes, consomem seus preciosos tempos ao nada, impelidos por sua vontade inconsciente de voltar ao pré-início.

Um tipo pomposo cumprimenta entusiasticamente o mestre, e num arroubo medonho de insensibilidade começa a falar ignorando a severa expressão.

- O infeliz se consola quando encontra uma desgraça igual à sua.

Os músicos estão em sua absorta parafernália timpânica ajustando com rigor suas armas. Sequer notam o maior táctico até então conhecido cumprimentar em gestos tímidos a platéia que o saúda.

- Tendes-me como rancoroso, insociável e misantropo.

Seu lugar está reservado ao lado do maestro, que em seu nervosismo orgulhoso, deglute ares tensos. Lado a lado irão desfrutar as primeiras fragrâncias da orquestra, condutor e escultor. Aquele em pé com sua baqueta desenhará no imaginário as primeiras palavras de cada instrumento. O sentado se esforçará em ouvir de sua cadeira as vibrações de cada nota.

- Não há palavras que poderia vos descrever a asfixia ressecada destes ouvidos inválidos.

Chegada a hora, os arautos tomam seus lugares empunhando afinadamente seus aparelhos. A horda finalmente se torna completamente quieta. O presente tornar-se-á poesia versada no passado. Os últimos suspiros serão gritados ao mundo.


* Texto adaptado de um roteiro para história em quadrinhos.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Últimos Suspiros em Ré menor* - parte 1



Viena, 1824.

Poucas datas rabiscam de forma contundente o grande livro de História. Momentos raros onde o tempo reduz sua cadência para que os registros tomem nota o que nunca mais irá acontecer.

Naquela casa o futuro estava cumprindo sua longa gestação de um presente singular. Uma mente genial cumpria seus últimos dias de detenção. Mais um ato de liberdade seria expresso por toda posteridade.

Vidros empoeirados, testemunhas idosas de grandes acontecimentos, percebiam, no entanto, seu olhar atravessando com melancolia a translúcida opacidade.

- Dez anos. Minhas próprias memórias apagam continuamente os vestígios de meu espírito.

Empoleirado em ramos contorcidos, um tordo exibe sua negra satisfação. Sua música é mais um ruído na movimentada rua. Chapéus, vestidos, sombrinhas bailam na juventude pulsante de seus usuários.

No interior da casa, mãos cruzadas em costas curvas caluniam aquele espiar invejoso. Sobrancelhas rígidas praguejam um inconformismo cansado.

- Maldito tordo. Trucilai aos ouvidos incautos que pouco entendem teu versar. Quem dera um dia pudesses visitar o ermo que agora me impede compreender teu lamento.

O piano está fechado, assim como qualquer resquício de esperança. As sombras do antigo salão iluminam o pesar orgulhoso daquele que aprendeu a viver na agonia de si mesmo.

Com seu limpo uniforme a aia adentra no recinto. Seus passos não são percebidos pela estátua viva que continua murmurando impossibilidades, contemplando metáforas oníricas de sua condição.

- Já posso morrer. Nem mesmo os sons do respirar me foram consentidos! Somente assim pude vasculhar os campos Elíseos e encontrá-la. Aquela que se ocultou desde minha tenra idade assistindo velada minha enfermidade agravando-se a cada dia pela ignorância dos arautos de Apolo. Hoje entrego meu último suspiro como gratidão.

Perfilada em sua postura espartana, a jovem empregada estende sua frase pichada em um bloco amarelado. Impossível não notar os negros fios escapando de sua alva touca. A cor forte de seus lábios sorri para sardas que pontuam cada reticência de sua face indelével. Não se vê no velho mestre, porém, qualquer mudança em sua expressão .

- Os sons da juventude reverberam nos misteriosos abismos da natureza. Ecos amplificados de exaltação à Vida. Infelizmente tua surdez impede que escutes os acordes de tua própria natureza, mulher.

Seu olhar recai sobre o maldito objeto que martela seu orgulho.

"Senhor Ludwig, o boleeiro vos aguarda."


* Texto adaptado de um roteiro para história em quadrinhos.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Livre-escravidão

Ele sabia que não deveria, mas mesmo assim foi em frente. Em meio a duas óbvias escolhas, rendeu-se àquela que satisfazia as risotas dos que em volta duvidavam de sua coragem. E como provavelmente é de seu entendimento, caro leitor, não se duvida da coragem de um homem. Mesmo que este ainda seja só um projeto. Projeto de homem.

Lembrou-se dos instantes malditos que o levaram àquela situação. A provocação galhofeira ainda zumbia em seus ouvidos. Teria sido melhor manter-se quieto. Mas não, tinha que se importar com eles. Queria ver a cara de todo mundo quando conseguisse... Sim, porque você amigo, também age esperando a reação alheia. Pensa que está a todo o momento tomando decisões baseadas na ilusão do livre arbítrio, mas na verdade é escravo do outro. Necessita viver na atmosfera da sonhada liberdade pra então acordar nas amarras das expectativas, julgamentos, opiniões.

O maior problema que aquele jovem enfrentava naquele momento era a dúvida. Não sabia se iria conseguir, não só pela pressão do grupo, mas por saber que tinha falhado outras vezes. Não sabia lidar com frustrações e ultimamente era o que mais vinha acontecendo – será que esqueço tudo, deixo isso pra lá? – Temia acabar se machucando – mas e o sorriso que ela pode dar?

Duvidar de si mesmo pode ser um ato de sabedoria. Somos animais com cérebro desenvolvido, raciocinamos, pensamos, refletimos. Mas em que se transforma o sábio congelado pelo azedo aroma do temor senão em mais um frágil pedaço de carne andante? O mestre ateniense, um monge recluso, aquele ermitão em sua caverna podem proferir verdades imensuráveis, mas padecem da maior verdade; são ampulhetas esperando o último grão do suspiro. O escoamento vital dita regras. Evitar o fracasso não muda o jogo.

Justificadamente, por isso, alguns escolhem não pensar. Não sei se é o seu caso, companheiro de leitura, mas era o caso de nosso personagem. Pensar era muito difícil, ainda mais naquele momento crucial. Melhor era se jogar no que tinha que acontecer, não tinha mais volta. Estava em jogo sua própria hombridade! E como é bom sentir as mãos do instinto empurrando nossas vontades.

Aprumou-se, não iria olhar pra trás. Era de uma só vez, senão ia ficar ali parado pra sempre. Um passo, coração disparado. Dois passos, boca seca – eu vou conseguir, esses otários vão perder a aposta.

Já percebia o burburinho da horda. O vento da liberdade estava soprando a seu favor. Os desafiantes agora batiam palma, galhofa transformada em vibração. Um frenesi na sala, eletricidade que iria marcar pra sempre sua memória. Do outro lado, com lágrimas nos olhos, aquele sorriso o recebia com o calor que tanto conhecia e era dependente. Ainda não podia acreditar, tinha conseguido. Agora entendia o que é andar.

sábado, 4 de abril de 2009

Buraco Negro


Massa disforme instalou-se em seu peito.
Objeto não identificado de quase infinda densidade.
Corpo celeste de infernal influência.


Distorcidos horizontes de eventos pairam em seu espaço-tempo.
Ditadores sentimentos gravitam o viver.
Risos sugados, memórias esmagadas.


Órbitas vazias pela ausência do olhar.
Como entender tal singularidade?
Quiçá alguma luz consiga escapar.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Berço

E de repente sente-se a angustiante sensação de sufocar cada poro com pelos arrepiados evocados por sentimentos alienígenas invasores da atmosfera de paz instaurando uma guerra nervosa centrada na inabilidade de reconhecer o bem e o mal que por muito tempo foram distinguidos com a clareza turva da solidão antes almejada agora liquefeita por poderosas ondas demolidoras de castelos de brinquedo artesanalmente construídos pelo grande arquiteto cego defensor pretenso da fagilidade do respirar.




Despe-se a alma libertando gases putrefatos condimentados por sons agudos maestrinos em picantes sinfonias executadas por fálicos instrumentos que cantam odes a comportamentos salivantes na doce subserviência ao flautista encantado titereiro de peças não ensaiadas imortalizadas por cenográficos versos delatores de uma metafórica morte iminente do antegozar.



Por que o porquê do por quê? Porque ansiamos perguntas a respostas amaldiçoadas pela benevolente culpa que cumprimenta a todos deitando-se em leitos vazios pela infantil carência afetuosa que nunca voltará e jamais será restituída e que conduz a constante carruagem do escolher adentrar trilhas pouco conhecidas assustando os passageiros pela loucura inflada nos pulmões equinos que chacoalham a vida suspensa pela contaminada atmosfera do desejar.

Prazer e dor: irmãos gêmeos de pais diferentes.



quarta-feira, 1 de abril de 2009

Pane


...

- Então vem pra cá, a gente conversa, relembra os velhos tempos...


- Claro, o que mais quero é relembrar...


-... ai, não aguento essas suas pausas. rs


- Por que? rs


- Parece que fica me instigando toda hora!


- Instigando com que, menina?


- Esse jeito aí, não sei o que você tá pensando...


- Eu hein.


- Que você tá pensando?


- Sei lá! No que a gente tá conversando?


- Ah, duvido, você tá pensando em alguma outra coisa...


- Não to entendendo, do que você tá falando?


- Deixa de ser sonso! Eu já sei no que você tá pensando.


- Ué, no que eu to pensando?


- Ahhhh sabia... achou que eu não iria saber, né?


- Saber?


- Deixa de bobeira, pode falar...


- Mas cara, o que deu em você pra pensar que eu to escondendo algo?


- Você sempre esconde tudo.


- Por que você tá dizendo isso?


- Pensa que eu esqueci?


- Esqueceu?


- Olha, já tá perdendo a graça essa voz sonsa. Te conheço há treze anos, não é agora que você vai ficar me fazendo de boba.

- Mas eu nunca quis isso, eu só to querendo te entender!


- Tsc. Humpf...


- Ana Carla, por favor me diga com clareza. Eu já até me perdi sobre o que estávamos falando.


- Você vir aqui em casa, César.


- Sim, mas por que a gente tá discutindo?


- Eu não to discutindo, eu to impaciente com esse seu jeito que não mudou nada depois de treze anos.


- Que jeito, me diz...


- Quer saber, eu vou desligar esse telefone, e acho melhor deixar esse encontro pra outro dia.


- Ana Carla? Por favor, eu não to entendendo!


- Então vai pensar um pouquinho, porque é isso que você sempre precisou.


- Inacreditável...


- Que que é inacreditável César Fernandes?


- Como você consegue estragar tudo...


-Agora sou eu que estrago tudo? Quem foi que me deixou a ver navios há treze anos? Quem acabou com minha vida? Quem me fez pegar ônibus lotado cheio de suburbano fetido pra ver o namorado que não podia sair de casa porque tinha que cuidar da vó com 2 enfermeiras já cuidando?


- Eu só queria te ver, cara...


- Queria o cacete! Queria vir aqui, jogar esse charme, e acabar me levando pra cama...


- ...


- Agora vai adotar a estratégia de sempre... Treze anos se passam e a mesma coisa... fica fazendo silenciozinho pra eu ficar ainda mais nervosa sem saber no que você tá pensando.


- Você quer saber o que eu penso?


- Não, não quero. Quero que você me esqueça, suma da minha vida e me deixe em paz....


- Mas foi você quem ligou pra mim!


- Não muda de assunto... Você sabe me fazer de boba sempre...


- Gente....


- Vai se fuder, César! Eu só queria um abraço!!! Só isso........ era muito?


- Calma, Ana... não precisa chorar... calma...


- Nunca mais tive um abraço igual o seu... você me dá tanta calma...


- Ana, você precisa conhecer outras pessoas...


- Vai tomar no cu! Tá me chamando de que?


- Calma, calma... por favor, fica calma!


- Calma de cu é rola... não fode...


- Que isso, Ana... você tá descontrolada...


- César, vai ver se eu to na esquina, tá? Não preciso de você pra nada...


- Tá beleza então.


- E pára de ficar com essa voz de morto!!!


- É a minha voz, Ana Carla...


- Por que, por que tinha que dar errado?


- Ana, por favor...


- Eu merecia ser feliz, meu Deus...


- Você quer que eu vá praí?


- Não!! Pra quê, pra depois você ir embora e não voltar?


- Não, só queria conversar com você, te deixar mais calma...


- EU TO CALMA!


- Vou vestir uma roupa e já tô aí...


- hmm


- Tá bom?


- Tá... mas vem logo, porque to precisando de alguém agora...


- Eu vou sim... pode deixar.


- Tá.


- Que bom que parou de chorar, detesto ver você assim...


- Eu também, fico com a cara inchada...


- ...


- Por que você ficou quieto?


- Como assim quieto?


- Quieto, merda, o que é quieto? Não fazer barulho!


- Ana, eu só tava te escutando...


- Tava nada, eu já tinha acabado de falar... tá me achando velha, né... com a cara deformada...


- Eu não tava pensando nada disso...


- Você pensa que me engana...


- ...


- Falou que ia se arrumar e tá aí sem fazer nada.


- É, vou sim...


- Se não quiser vir não venha, já disse que não preciso de você.


- Olha, quer saber, eu tenho que acordar amanhã cedo, e se fosse praí iria prejudicar meu sono.


- Hmmm


- Então a gente deixa pra outro dia, tá?


- Hmmm


- Vai ficar só fazendo hmm agora?


- Hmmm


- Cacete, eu só to querendo...

(tu tu tu tu)



- Ana?

(tu tu tu tu)

terça-feira, 31 de março de 2009

Destinos comprados


Era uma vez um mercador do abstrato.


Vivia do escambo do que não se enxerga. Orgulhava-se de sua empreitada, mascatear ao ultrajado respostas precisas do que se esconde. Subterfúgios da superfície do improvável.


Ambiciosamente habilidoso expunha suas novidades antigas, surpresas envelhecidas... E com seu sorriso perfumado embebedava a lógica inocente daquele que espera.


Seu preço era caro, pois no suor de cada olho aflito sua salgada moeda era forjada.


Suas promessas? Elegantes enganos trajados pelo puro fio da luxúria.


Era uma vez um comprador.


Vivia da esperança do porvir, que muito tempo antes profetizara sua libertação da servidão voluntária de querer o não querer.


Ansiava pelo ambulante de além-eu trazer em seus apetrechos vidros enigmáticos com seus vazios conteúdos preenchidos por sonhos inacabados.


Já eram dias na vigilante agonia de veias arenosas espiando o será.



Do alto se observa. O encontro profetizado, o movimento de um, a postura d'outro. Falsidades desferidas, cumprimentos afrouxados, comércio realizado.


Sai o que mentiu, fica o iludido...


Por fim, de nada valeu chorar.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Porque você está vivendo num laboratório de emoções

Jaleco ajustado, luvas calçadas, óculos lacrados.

Tentativa número: sem contagem.

Pipeta trêmula em mãos protegidas da contaminação do viver.

Suor gelado atravessando campos conhecidos pelo fedor do medo; abafados pela proteção do não errar.

Pensamentos divagantes dançando à frente dos olhos dilatados pela preocupação; abortos de memórias esquecidas.

Controles aprovados, checagem conferida, probabilidades infalíveis; nervos puídos?

Paradoxos aditivando combustíveis escassos em motores rotos; movimentos enferrujados pela falta de sentir.

Gotas espremendo-se esperando o sinal de escapagem; esperanças contidas na negação.

Silenciam-se os zumbidos, desloca-se a vontade, despertam os músculos, executa-se a tentativa; polegar a favor do experimentar.

Espere. Como?

O piscar de seu posto emite o sinal de derrota. Aleatórias variações transeuntes desviaram objetos em seu caminho; quantificações incontáveis no vazio reduto do porquê.

Face rígida, mãos epiléticas, peito chiando às investidas de maria fumaças que assopram passado; sons encorpados na densidade do adeus.

Desajusta-se, descalça-se, deslacra-se.

Fim de
expediente.